Dezenove trabalhadores rurais que eram mantidos em condição semelhante à de escravos foram resgatados na última segunda-feira (27/11) da fazenda Vitória, no município de Ribeirão do Largo, no sudoeste da Bahia. A força-tarefa responsável pela operação foi realizada pela Comissão Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo da Bahia, com a participação de representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho do Brasil (MTB) e da Secretaria da Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social do Estado (SJCDH), com o apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Com o resgate, as vítimas receberão seguro-desemprego e a rescisão do contrato de trabalho, além se suporte da rede de assistência social.
A equipe chegou à propriedade de difícil acesso no fim da manhã para apurar denúncia de trabalho escravo e encontrou uma situação de degradância da condição humana de 19 homens, que trabalhavam na roçagem de terreno e no manejo de gado. Desses, só um tinha carteira de trabalho assinada, o vaqueiro da fazenda, e todos dormiam em casas sem energia, água encanada, banheiros e sem acesso a água potável. Além disso, trabalhavam sem qualquer tipo de proteção como luvas, máscaras para aplicação de defensivos agrícolas, que eram armazenados o mesmo local em que dormiam. As camas também eram improvisadas, feitas pelos próprios trabalhadores, que levavam de casa colchões e roupas de cama. A alimentação e o local para as refeições também não eram garantidos.
Um dos trabalhadores, responsável pelo recrutamento e pagamento dos empregados, mantinha uma pequena venda, fornecendo produtos alimentícios e de higiene, além de medicamentos para dores musculares, muito consumidos pelos lavradores. Esses produtos eram adquiridos e descontados do pagamento. “O que vimos nessa fazenda é um amplo conjunto de irregularidades que, somadas, configuram claramente a submissão desses trabalhadores à condição de escravos contemporâneos. Por isso, retiramos eles da propriedade e iniciamos imediatamente os procedimentos para a garantia de apoio financeiro e social enquanto tentamos junto ao proprietário obter o pagamento das rescisões de contrato de trabalho e a indenização tanto de cada trabalhador quanto da sociedade, por danos morais”, explicou o procurador do MPT Ilan Fonseca, que integrou a operação.
Seguro-desemprego e rescisão – Os trabalhadores foram retirados imediatamente da propriedade e levados até a cidade de Itambé, onde foram entrevistados individualmente no prédio da prefeitura, requisitado pelo MPT. Eles relataram as condições de alojamento, alimentação e remuneração a que eram submetidos e informaram datas de início de trabalho na fazenda. Em seguida retornaram para suas casas, todas em Itambé. Na manhã de ontem (28/11), os resgatados foram atendidos na sede do Fórum de Itambé para regularização de documentos e para receber as guias que darão direito a receber seguro-desemprego por três meses. Os dados colhidos durante as entrevistas serviram também para que os integrantes da força-tarefa fizessem os cálculos trabalhistas e indicassem quanto cada um dos resgatados tem a receber. O valor total das rescisões é superior a R$40 mil, mas o MPT ainda vai cobrar o pagamento de danos morais coletivos e cada trabalhador poderá lutar para receber danos morais individuais.
Ilvandro Froes Marques Lobo e seu filho Rodrigo Filadelfo Lobo serão responsabilizados por todas as irregularidades encontradas. Apesar de a fazenda estar em nome do filho, era o pai, Gilvandro, conhecido como Lobinho, quem contratava e fiscalizava o trabalho na fazenda. Ele chegou a telefonar para o responsável pelo gerenciamento da frente de trabalho na segunda-feira à noite para se informar da operação, mas depois não atendeu mais as ligações dos membros da força-tarefa. Os autos de infração por cada uma das irregularidades e as notificações para audiências em que será apresentada a possibilidade de solução administrativa, sem necessidade de uma ação judicial, serão encaminhadas para os dois. “A minha carteira é assinada por rodrigo Lobo, mas quem comandava o trabalho na fazenda era o senhor Lobinho (Gilvandro)”, afirmou em depoimento o vaqueiro Ademilton Dias, o único com carteira assinada entre todos.
Escorpiões e agrotóxicos – Ao chegar às duas casas que serviam de alojamento para os trabalhadores temporários responsáveis pela roçagem e para o vaqueiro da fazenda, a força-tarefa identificou graves descumprimentos de normas básicas de higiene e saúde. Alguns estavam com marcas de picada de escorpião e de aranha. Outra grave situação encontrada foi a aplicação de veneno ao mesmo tempo em que as áreas eram roçadas. Os dois responsáveis por borrifar o defensivo também não usavam máscaras, luvas ou qualquer outra proteção. E como o líquido era borrifado próximo ao local onde os demais cortavam o mato, todos ficavam expostos aos produtos. Vários deles se queixaram de dores de cabeça e respiratórias constantes.
FONTE: ARATU ONLINE